Quando ainda criança, vi minha mãe ser desamparada pelo seu companheiro (um cabo da PM). Aí ela começou a criar 11 filhos sozinha, em São Pedro dos Ferros. Morávamos na entrada da cidade (para quem vai de Ponte Nova). Dona Georgina saia cedo para trabalhar na Fazenda da família Roldão e eu pequeno, também ia. Era a garantia de um prato de comida. Estudava no Grupo Escolar Luís Alves de Souza, à tarde, onde tirei meu diploma com nota 10. Não pensem que eu era o melhor: Augusto, de Cornélio Alves distrito de Raul Soares, teve registrado um 10 com louvor!
Virei engraxate, vendia jabuticaba, caqui, abiu e toda sorte de frutas, quando das suas temporadas. E era batata!: abiu dava em março e jabuticaba em outubro. Hoje, com o aquecimento global, as datas variam. Mas, a manga nativa continua madura no início de dezembro e a goiaba do pasto é ainda colhida em março. Vendendo frutas e engraxando sapatos, aprendi que tinha gente em pior situação que a minha. Onde eu morava tinha água de nascente, energia elétrica e vaso para as necessidades biológicas.
Mas, uma vergonha (hoje desaparecida) era o “Morro da Querosene”. Estudando, passei a falar certo, o que me causou transtornos com os moradores daqueles barracos. Eles chegavam para estudar e suas narinas estavam pretas da fumaça originária da queima do combustível de “pobre”. Rir deles era um perigo, mas criança não faz por maldade, era apenas “zoação”, mesmo que fora de propósito.
Como disse um dia o escritor Luciano Sheikk, em seu livro sobre a História da Literatura de Ponte Nova: “Ricardo Motta saiu de casa aos 14 anos para nunca mais voltar”. E aqui estou eu na terra da goiabada-cascão. Mas, neste minifúndio de papel não vou encher o saco do leitor com a minha biografia. Muitos já a conhecem de sobra.
Quero mesmo é falar que o Brasil está indo para um buraco sem fundo e enfiando na miséria e fome milhares de brasileiros.
O novo programa social chamado de “Auxílio Brasil”, que era para se chamar “Renda Brasil”, é um retrocesso que desmancha a rede de proteção social construída pelo “Bolsa Família”. Além da obsessão para “eliminar” o nome, o atual governo criou o programa legitimando a ideia de que os trabalhadores empobrecidos são responsáveis pela pobreza.
Na Medida Provisória de agosto, o ritmo era tirar do “pé” do governante a rede de proteção, acabando com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), o CadÚnico e o Suas (Sistema Único de Assistência Social), desincentivando a agricultura familiar e lotando os bancos governamentais de facilidades para o agronegócio, quando ao mesmo tempo emite dezenas de decretos para facilitar a compra e o uso de pesticidas nos transgênicos.
Uma pesquisa recentemente divulgada, realizada por pesquisadores do núcleo Food for Justice – Power, Politics and Food Inequality in a Bieconomy, da Universidade Livre de Berlim, em parceria com pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e da UnB (Universidade de Brasília), mostra que a insegurança se alastrou de forma aviltante no Brasil.
A saída do Brasil do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2014, foi um marco mundialmente reconhecido no caminho à promoção do direito humano à alimentação adequada e saudável.
Mas, nestes tempos de ira e de palavreado chulo e desavergonhado, o “Mapa da Fome” voltou e ganhou filas de famélicos pelo Brasil afora em busca de ossos, pés de frango e restos de verduras e legumes jogados fora por supermercados e sacolões. Eles, os pobres catam os restos na madrugada (têm vergonha!): a procissão de esfomeados se parece com uma cena de filmes de zumbis que caminham para a morte!