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CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA: CASARÃO ANTIGO FOI “TOMBADO” LITERALMENTE EM PALMEIRAS

 

No dia em que iam matá-lo, Santiago Nasar levantou-se às 5 e 30 da manhã para esperar o barco em que chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessava uma mata de figueiras-bravas, onde caía uma chuva miúda e branda, e por instantes foi feliz no sono, mas ao acordar sentiu-se todo borrado de caca de pássaros.

“Sonhava sempre com árvores”, disse-me a mãe, Plácida Linero, recordando vinte e sete anos depois os pormenores daquela segunda-feira ingrata. “Na semana anterior tinha sonhado que ia sozinho num avião de papel de estanho que voava sem tropeçar por entre as amendoeiras”, disse-me. Tinha uma reputação bastante bem ganha de intérprete certeira dos sonhos alheios, desde que lhos contassem em jejum, mas não descobrira qualquer augúrio aziago nesses dois sonhos do filho, nem nos restantes sonhos com árvores que ele lhe contara nas manhãs que precederam a sua morte.

Como na história do escritor Gabriel García Márquez, a velha e imponente casa da avenida Dr. José Mariano não sonhasse com sua morte. Desde 2014 que algumas pessoas manobravam para que ela continuasse de pé. Eu fui um deles que, como presidente do Codema negara o corte das árvores no seu quintal. Os proprietários queriam cortá-las para construir mais uma verticalização na cidade da goiabada-cascão.

A casa era inventariada pelo Conselho do Patrimônio Cultural e Natural de Ponte Nova (CPCNPN) e estavam entre os bens protegidos. Os donos investiram junto ao CPCNPN solicitando sua demolição, que foi negada. Com a insistência, o então presidente do Conselho Luciano Gustavo dos Santos Cota (2013-2016) recorreu ao Ministério Público que moveu Ação Civil Pública impedindo o intento dos proprietários. Eles teriam que apresentar um projeto para restauração e reforma da casa.

A coisa foi se arrastando por anos (seis) até que há pouco mais de um 01 (um) ano a velha casa começou a dar sinais de sangramento em sua estrutura, com tijolos e beiral caindo no passeio. Foi preciso a intervenção da Defesa Civil para que eles construíssem uma proteção com estrutura metálica para evitar desastre envolvendo pessoas.

Eis que no final de janeiro, com o início turbulento das águas, o telhado ruiu. Em 03 de março metade da frente da casa foi ao chão, inclusive destruindo o tapume e levando medo e espanto dos transeuntes. O primeiro aviso aos homens do poder foi repassado na manha de 03 de março pelo locutor Luciano Duarte, do Grupo Líder de Comunicação que avisou ao Marcos Dias (secretário municipal de Esporte, Lazer e Juventude). Daí pra frente, apareceram no local Defesa Civil e Bombeiros. No final da tarde, o juiz de Direito concedeu liminar à prefeitura para que o imóvel fosse demolido.

Ato final: a casa acabou morrendo debaixo das garras de uma máquina pesada na manhã de 04 de março, deixando para a história de Ponte Nova um triste enredo de abandono e a sensação de impunidade. Os proprietários sabiam que mais cedo ou mais tarde ela cairia e eles finalmente lucrariam com a especulação imobiliária.