SÃO PAULO. O livro “Benjamin Abrahão – Entre Anjos e Cangaceiros” (ed. Escrituras, 320 págs., R$ 45) é resultado de uma longa obsessão do historiador recifense Frederico Pernambucano de Mello, 65. Desde os anos 1970 ele investiga sistematicamente a vida do aventureiro árabe Benjamin Abrahão (1901-1938). “É uma espécie de cachaça de pesquisador”, brinca.
Não é difícil entender o vício, ainda hoje, sem sinais de ressaca. Embora não seja dos personagens mais conhecidos, Abrahão teve ligação direta com dois dos maiores mitos nordestinos do século XX: Padre Cícero e Lampião.
Repleta de momentos audaciosos e de verdadeiras tragédias, a vida dele daria água na boca de qualquer biógrafo.
Ele desembarcou no Recife em 1915, ainda garoto, fugindo do alistamento militar obrigatório e da crise econômica em seu país, a Síria. Tinha em Pernambuco uns parentes, dedicados ao comércio.
Dois anos depois, impressionou o Padre Cícero, ao mentir que nascera em “Belém, na terra de Jesus”, e foi seu secretário em Juazeiro do Norte (CE).
Após a morte do mítico sacerdote em 1934, dedicou-se então ao mais ambicioso de seus planos: filmar e fotografar Lampião e seu bando.
A vida de Abrahão teve um fim abrupto em 1938, aos 37, quando foi assassinado com 42 facadas no sertão de Pernambuco. O crime nunca foi totalmente esclarecido.
A relação entre o sírio e o rei do cangaço foi tema do filme “Baile Perfumado” (1997), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, do qual Mello foi consultor.
“Abrahão foi um aventureiro. Era um homem repleto de falhas, de poucos escrúpulos. Se fosse um herói não despertaria o meu interesse”, conta.
Um dos lendários golpes de Abrahão ocorreu em 1929. Para reforçar o faturamento de seu armazém, espalhou aos quatro cantos que o Padre Cícero daria sua última bênção aos romeiros. A cidade foi invadida por fiéis, recepcionados pelo fiel secretário do padre e seu estoque de santinhos, escapulários e terços.
Isso, porém, era quase nada perto do que ele esperava faturar com Lampião, celebridade internacional nos anos 1930.
Abrahão acompanhou o bando em meados de 1936, quando registrou, em fotos e filmes, a mais completa iconografia da história do cangaço. “Os filmes têm uma riqueza extraordinária. A sorte dele foi que Lampião era muito vaidoso, gostava de ser exibir”, conta o historiador.
Mas pouco depois um revés afastou a chance de fortuna. O governo Getúlio Vargas apreendeu o material em 1937, por “atentar contra os créditos da nacionalidade”.
O filme só voltou a circular em 1954, após a morte de Getúlio Vargas. O material está hoje na Cinemateca Brasileira.
Durante suas pesquisas, Mello adquiriu o equipamento de filmagem e uma caderneta, escrita em árabe, em que Abrahão detalhava o convívio com os cangaceiros.
Um dado em especial aplacou outra obsessão de Mello e de tantos outros historiadores – descobrir a real altura de Lampião. O rei do cangaço podia ser o gigante do sertão, mas, segundo o cinegrafista, não media mais do que 1,74 m.